terça-feira, 20 de outubro de 2015

Professor não tem vida fácil

Por Ricardo Santos em 16/10/2015 na edição 872  
Ser professor no Brasil é um enorme desafio. O Brasil mudou muito nos últimos anos. Há cerca de cinquenta anos, a realidade da educação era outra. Os professores tinham boa remuneração, eram respeitados e valorizados pela sociedade.
Hoje, a carreira do professor vem se deteriorando ano a ano. Isso se dá em função de uma série de razões… Mais, além da desvalorização salarial, ele tem de lidar com a violência escolar e uma jornada de trabalho extremamente extenuante. É comum, ainda, muitos profissionais trabalharem em duas ou mais escolas.
E tem mais: é fato que a procura pelo magistério diminui a cada ano que passa. A realidade é que os cursos de licenciatura não atraem os jovens estudantes. E isso tem sua razão de ser: remuneração defasada, ambiente de trabalho ruim, falta de recursos didáticos e falta de laboratórios. Enfim, educação não é uma prioridade política. No geral, não existe um plano de carreira consistente com o mercado para os professores do ensino público e privado. É claro que há exceções.
A verdade é que muitos pais não se interessam pela escola e pelo estudo de seus filhos. Muitos responsáveis se recusam a comparecer às reuniões para saberem sobre seus filhos e o que acontece dentro da instituição. Melhor dizendo: a escola reproduz os problemas e as contradições da nossa sociedade.
Precisamos valorizar o professor
Pois bem, ninguém nega que as condições de trabalho dos docentes, em especial, na rede pública, estão se precarizando. São muitos os fatores, entre eles a superlotação das salas de aulas, o desinteresse dos alunos pelo seu aprendizado, a apatia dos pais e a aprovação automática. Resultado: a cada ano que passa, temos mais greves. É uma situação difícil e ruim para os alunos, para os pais e para os educadores. No ensino superior, a realidade não é muito diferente do ensino médio e fundamental.
Os governos, em seus três níveis, de modo geral não valorizam os profissionais de ensino. O reflexo dessa realidade são os baixos salários e um cotidiano cheio de problemas nas escolas, que, muitas vezes, o profissional não está capacitado para resolver. Para piorar mais, os educadores estão quase sozinhos em sua luta.
Por sua vez, é fato que a mídia, quase sempre, reproduz o discurso oficial. Um exemplo: o editorial da Folha de S.Paulo “Escolas dedicadas” (26/9), que trata da reorganização das escolas em São Paulo, está em perfeita sintonia com o discurso do governador tucano Geraldo Alckmin. No entanto, nas ruas pais e estudantes protestam contra a reorganização da escola. Tem mais: nossos formadores de opinião não se interessam pelos problemas da educação, não cobram das autoridades o cumprimento de suas obrigações e deixam de informar a população sobre os problemas reais das escolas…
Finalmente, nenhuma nação moderna evoluiu sem valorizar a educação. O Brasil segue, infelizmente, em sentido oposto ao resto do mundo. Ou seja, andando para trás. Assim, elegemos maus governantes, formamos maus profissionais de saúde, de segurança, de engenharia… Por fim, vale lembrar que gente educada tem mais maturidade para fazer melhores escolhas durante suas vidas e lida de forma satisfatória com os desafios da vida social. Por tudo isso e muito mais é que precisamos valorizar, realmente, o professor!
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Ricardo Santos é professor de História

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

A Origem do Mal
por
Santo Agostinho


Eu buscava a origem do mal, mas de modo errôneo, e não via o erro que havia em meu modo de buscá-la. Desfilava diante dos olhos de minha alma toda a criação, tanto o que podemos ver — como a terra, o mar, o ar, as estrelas, as árvores e os animais — como o que não podemos ver — como o firmamento, e todos os anjos e seres espirituais. Estes porém, como se também fossem corpóreos, colocados pela minha imaginação em seus respectivos lugares. Fiz de tua criação uma espécie de massa imensa, diferenciada em diversos gêneros de corpos: uns, corpos verdadeiros, e espíritos, que eu imaginava como corpos.
E eu a imaginava não tão imensa quanto ela era realmente — o que seria impossível — mas quanto me agradava, embora limitada por todos os lados. E a ti, Senhor, como a um ser que a rodeava e penetrava por todas as partes, infinito em todas as direções, como se fosses um mar incomensurável, que tivesse dentro de si uma esponja tão grande quanto possível, limitada, e toda embebida, em todas as suas partes, desse imenso mar.
Assim é que eu concebia a tua criação finita, cheia de ti, infinito, e dizia: “Eis aqui Deus, e eis aqui as coisas que Deus criou; Deus é bom, imenso e infinitamente mais excelente que suas criaturas; e, como é bom, fez boas todas as coisas; e vede como as abraça e penetra! Onde está pois o mal? De onde e por onde conseguiu penetrar no mundo? Qual é a sua raiz e sua semente? Será que não existe? E porque recear e evitarmos o que não existe? E se tememos em vão, o próprio temor já é certamente um mal que atormenta e espicaça sem motivo nosso coração; e tanto mais grave quanto é certo que não há razão para temer. Portanto, ou o mal que tememos existe, ou o próprio temor é o mal. De onde, pois, procede o mal se Deus, que é bom, fez boas todas as coisas? Bem superior a todos os bens, o Bem supremo, criou sem dúvida bens menores do que ele. De onde pois vem o mal? Acaso a matéria de que se serviu para a criação era corrompida e, ao dar-lhe forma e organização, deixou nela algo que não converteu em bem?
E por que isto? Acaso, sendo onipotente, não podia mudá-la, transformá-la toda, para que não restasse nela semente do mal? Enfim, por que se utilizou dessa matéria para criar? Por que sua onipotência não a aniquilou totalmente? Poderia ela existir contra sua vontade? E, se é eterna, porque deixou-a existir por tanto tempo no infinito do passado, resolvendo tão tarde servir-se dela para fazer alguma coisa? Ou, já que quis fazer de súbito alguma coisa, sendo onipotente, não poderia suprimir a matéria, ficando ele só, bem total verdadeiro, sumo e infinito? E, se não era conveniente que, sendo bom, não criasse nem produzisse bem algum, por que não destruiu e aniquilou essa matéria má, criando outra que fosse boa, e com a qual plasmar toda a criação? Porque ele não seria onipotente se não pudesse criar algum bem sem a ajuda dessa matéria que não havia criado.
Tais eram os pensamentos de meu pobre coração, oprimido pelos pungentes temores da morte, e sem ter encontrado a verdade. Contudo, arraigava sempre mais em meu coração a fé de teu Cristo, nosso Senhor e Salvador, professada pela Igreja Católica; fé ainda incerta, certamente, em muitos pontos, e como que flutuando fora das normas da doutrina. Minha alma porém não a abandonava, e cada dia mais se abraçava a ela.


Fonte: Confissões, Santo Agostinho, Editora Martin Claret, páginas 145-147.